No papel, crianças viram adultos aos 18 anos no Brasil, quando são obrigados a votar e já podem beber e dirigir. Mas, na prática, a entrada na vida adulta é cheia de outros códigos e ritos de passagem -e eles vêm causando ansiedade aos que chegam aos 30, idade eleita como marco de um período de crise das gerações millennial e Z.
São jovens que acham que, ao completar três décadas, deveriam ter cumprido as expectativas como a de independência financeira, a de ter a própria casa –ou pelo menos morar fora da casa dos pais, mesmo que seja de aluguel-, a de ter estabilidade nos relacionamentos afetivos -na forma de casamentos, namoros firmes e até filhos– e a de ter uma carreira bem encaminhada. Planos que nem sempre estão todos cumpridos ao soprar as 30 velinhas, o que gera uma ansiedade batizada de crise dos 30.
É o caso do publicitário Alef Lima, 30. Ele divide apartamento com um amigo em João Pessoa e é analista de marketing em uma construtora, mas nem por isso passou incólume pela tal crise. “Todo mundo fala dela. É a mais temida. Eu ia fazer aniversário e me perguntava, o que eu fiz da vida?”, diz. “Quando a gente é criança, espera conquistar o mundo aos 30. Parece algo tão distante.”
Para a psicóloga americana Satya Doyle Byock, especialista em jovens adultos, o termo crise não é a melhor palavra para definir esse período. “É um estado inteiro de desenvolvimento da vida, não um período de pânico que passa. Não quero enfatizar vergonha e disfunção, é um período que pode durar anos, mas isso não significa que não se pode sair dele”, afirma.
Doyle Byock escreveu “Quarterlife: The Search for Self in Early Adulthood”, crise de um quarto e o autoconhecimento no início da vida adulta, em tradução livre. O livro é fruto da ansiedade que ela mesma viveu nesse período, que ela define como o primeiro estágio da vida adulta, “entre a adolescência e a meia-idade”.
Ela diz que a própria definição do que é um adulto é uma questão filosófica. “O que foi tipicamente definido pela cultura é que o adulto é alguém estável, que pode se sustentar, cuidar dos outros, sejam crianças ou idosos. Há um senso de estabilidade financeira e das relações. E as mulheres, historicamente, sofrem com a exigência do casamento e dos filhos.”
Essa expectativa de estabilidade por si só não explica o fato de a crise dos 30 ser um tema debatido entre os Millennials e a Geração Z, ou seja, os nascidos entre 1980 e 2010. Para o professor de finanças do Insper Ricardo Humberto Rocha, a preocupação financeira afeta os jovens atualmente.
“Hoje, eles passaram por processos de pandemia, estão vendo guerras na Europa e no Oriente Médio. Os baby boomers [nascidos entre 1945 e 1964] foram levados a acreditar que o mundo era tranquilo, que a Guerra Fria tinha acabado.”
Doyle Byock também ressalta que as instabilidades globais têm um papel grande no agravamento dessa ansiedade. “É confuso porque a ideia de ser adulto é calcada na noção de estabilidade, mas, em termos globais, vivemos instabilidade social, econômica, ambiental. É difícil fazer sentido.”
Mesmo assim, a comparação com gerações anteriores parece inevitável para os jovens de hoje. Alef, por exemplo, pensa no que a mãe dele havia conquistado aos 30 e se compara. “Não que eu esteja desconfortável, mas sempre bate aquela crisezinha. Aquela insatisfação de pensar que minha mãe com 30 anos já tinha casa, já tinha carro.”
A psicóloga ressalta outro aspecto da ansiedade associada ao período, que diz respeito ao autoconhecimento. Ela afirma que, embora essa busca pareça uma novidade das novas gerações, sempre esteve ali, “só foi suprimida por expectativas culturais e sociais” e ganha espaço agora.
Ela divide os jovens adultos em dois tipos: os que buscam estabilidade e os que buscam significado. “Os primeiros ficam confortáveis subindo degraus da trajetória pré-estabelecida da vida adulta, mas frequentemente se frustram quando conseguem todas essas coisas”, diz.
Essa frustração ocorre porque são marcos que costumam ser associados à economia. “De modo geral, não temos valores religiosos, familiares ou sociais claros. Isso pode ser bem vazio e gerar frustração. Em sociedades menores, a participação é mais direta e isso gera um senso de pertencimento.”