Dentre os 81 países avaliados pelo ranking do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), o Brasil ocupa apenas a 52ª colocação no quesito leitura. Os alunos brasileiros atingiram 410 pontos, bem menos do que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que ficou entre 472 e 480.
Alarmante, o dado reflete a histórica relação ruim do brasileiro com os livros. De acordo com a última pesquisa Retratos da Leitura — feita pelo Instituto Pró-Livro, Itaú Cultural e Ibope Inteligência e divulgada em 2020 —, o país teve uma queda de 4,6 milhões de leitores em quatro anos. Apenas 31% dos entrevistados declararam ter lido um livro inteiro nos últimos três meses.
Autor do livro Faça-os ler – Para não criar cretinos digitais, o neurocientista francês Michel Desmurget enfatiza que “a leitura é uma espécie de herança que os pais passam para os filhos”. “Não há solução milagrosa para perpetuar esse legado”, comenta ele.
O neurocientista diz que o ideal é combinar pelo menos três táticas.
“Primeiro, promover a leitura. Uma criança tem mais probabilidade de se tornar um ávido leitor se for incentivada a ler, visitar bibliotecas, discutir sua leitura, for informada sobre a importância da leitura e ver seus pais lendo”, argumenta.
Outro ponto é demonstrar que a leitura é um prazer, mais do que uma obrigação. “Se ler for entendido como uma tarefa ou, pior, uma dor, a criança abandonará o hábito na primeira oportunidade”, acredita. Para isso, ele sugere que pais estimulem os pequenos desde muito cedo, com leituras compartilhadas.
Já a terceira dica de Desmurget é aquela que parece mais difícil nos tempos atuais: limitar o tempo de tela.
“Mesmo que uma criança goste de ler, ela não vai ler se seu tempo for consumido por videogames, séries e desenhos animados”, justifica.
Nesse ponto, ele faz um alerta: não cometer “o erro comum” de negociar o tempo de tela como pagamento após um determinado momento de leitura. “Isso fará com que ler pareça uma tarefa e as telas, o paraíso”, analisa.
Exemplo de casa
Os dados mostram que essa dificuldade é a ponta do iceberg de um país onde obras literárias não fazem parte do dia a dia. Segundo a pesquisa Panorama do Consumo de Livros, divulgada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) em dezembro, 84% dos brasileiros maiores de 18 anos não compraram nenhum livro nos últimos 12 meses. Enquanto isso, mais de 50% dos entrevistados declarou que sua principal atividade de lazer são as redes sociais.
Nada indica que isso vá mudar na geração seguinte. “Os pais muitas vezes se perguntam como podem melhorar a vida de seus filhos, tornando-as mais felizes e fáceis. Uma dessas possibilidades é incutir neles o amor pela leitura”, ressalta Desmurget. “Poucas atividades produzem benefícios tão significativos com um investimento tão modesto”.
Para criar o hábito, o exemplo é essencial. “Se o pai, a mãe ou o cuidador tem o hábito da leitura, pega um livro, se diverte com ele, comenta determinado trecho, já é extremamente importante. Isso vai definindo e criando um lastro de exemplo a ser seguido”, defende o psicólogo Cristiano Nabuco, PhD em tratamento de dependências tecnológicas.
Mestre em psicologia educacional e do desenvolvimento humano, o psicólogo Leo Fraiman ressalta que “é importante conversar [com os filhos] sobre livros que o marcaram e criar o hábito”.
“A leitura está para o cérebro como a ginástica está para o corpo. Diversos estudos internacionais comprovam que a leitura traz inúmeros benefícios em diversas áreas da nossa vida. Assim, é importante não somente direcionar o filho para que leia, mas criar uma habilidade e uma cultura a partir desse hábito”, comenta ele, que é autor do livro A síndrome do imperador – Pais empoderados educam melhor.
Fraiman ressalta que “a leitura não é apenas aquilo que podemos obter a partir de um livro”. Assim, todos os estímulos para que a criança absorva cultura fora das telas são válidos: frequentar teatros, observar outdoors e grafites, despertar o desejo pelo conhecimento.
O poder da imaginação
O psicólogo Cristiano Nabuco compara o livro com o multimídia onipresente no mundo digital.
“Quando ofereço um conteúdo audiovisual para uma criança, por exemplo um marinheiro em um navio no meio do mar, tudo está pronto. Mas quando eu leio, forço a criança a imaginar. É ela quem vai criar o tipo da onda, o tamanho do barco, pensar se o tempo está bom, se tem gaivotas…”, explica Nabuco. “Isso produz o que chamamos de desenvolvimento cognitivo maior”.
Desmurget lembra que ler melhora o funcionamento intelectual, mas não só. “Também estimula significativamente nossa inteligência emocional e social. Os livros nos permitem, literalmente, entrar na mente dos personagens, experimentar suas emoções e entender a lógica por trás de suas escolhas. Em última análise, leitores de ficção têm mais empatia e maior capacidade de entender os outros e a si mesmos”, acrescenta.
“No final, todas essas influências contribuem muito para o sucesso acadêmico e profissional”, enfatiza o francês.