Em meados de setembro, a Balmain levou à passarela da Paris Fashion Week uma seleção de vestidos estampados com rostos. Nas mãos, na cintura e até nos pés, paletas de maquiagem e perfumes faziam as vezes de acessórios. Foi a fórmula eleita pela etiqueta para apresentar ao mundo o métier de beleza, que ganhou adições após um contrato selado com a Esteé Lauder Companies. O movimento é a ilustração perfeita do significado que a divisão de beauté tem ganhado entre as marcas de luxo. Se tradicionalmente o primeiro passo dos rótulos de moda ao expandirem seus negócios no setor de beleza era criar uma identidade olfativa com fragrâncias próprias, com a alta dos frascos de nichos e lugares já bem estabelecidos na perfumaria, as marcas voltaram a atenção à categoria de maquiagem. A divisão ganhou força desde então, promovendo novidades para os olhos, rosto, cílios, sobrancelhas e até produtos dedicados aos cuidados com a pele. Mas quem tem olhar atento já percebeu que o novo holofote está nos lábios.
“As consumidoras têm buscado batons de luxo, porque eles atendem a desejos pessoais e emocionais. Para elas, esses produtos são mais do que maquiagem, são símbolos de pertencimento e exclusividade. Além disso, elas querem uma experiência sensorial marcante e texturas inovadoras, e amam a ideia de ter algo único e personalizado”, aponta Juliana Pádula, trend researcher na WGSN.
A nova geração de batons premium das casas de moda começou a ganhar força em 2010, com a incursão da Tom Ford na categoria. À época, um batom custava cerca de US$ 26, enquanto a grife americana lançou sua Private Blend Lip Color Collection por cerca de US$ 50 a unidade. De acordo com uma reportagem do site WWD, em 2014, aproximadamente 30% da marca de beleza da grife era focada nos cosméticos coloridos, sendo uma grande parte desse percentual focada em produtos para os lábios. Em 2020, a Tom Ford Beauty já era um negócio de US$ 1 bilhão e, em 2019, teria vendido mais de US$ 500 milhões apenas em batons, revelou o site Business of Fashion.
Em 2015, foi a vez da Christian Louboutin introduzir a primeira linha dedicada à boca. A marca adotou uma abordagem extravagante ao lançar um frasco pontiagudo inspirado nas antiguidades babilônicas. Disponível em 28 tons e três acabamentos, a tampa em formato de coroa permitia que uma fita fosse passada para que o item se transformasse em um pingente. “Um objeto de desejo para os lábios”, foi como o designer descreveu a criação. O batom se tornou, então, uma joia, um marcador de status desenvolvido para que fosse exibido com orgulho.
Desde 2020, entretanto, o mercado da beleza ganhou adições significativas e jogou o produto em outro patamar. Os exemplares não são apenas donos de alto valor agregado, mas carregam uma série de códigos que os eleva ao lugar de acessório de luxo, como se fosse a alta-costura dos cosméticos, não só uma maquiagem cara. Quem compra um exemplar não o faz apenas pelo resultado nos lábios, mas também pela embalagem, experiência sensorial e storytelling. Esses itens somam características que traduzem o imaginário, como toque suave à pele e peso diferenciado de material nobre, clique satisfatório ao fechar a tampa e cores exclusivas. O produto, em particular, ainda pode desempenhar um papel de decoração ou demonstração pública de status, já que é um dos poucos itens de beleza que retocamos ao longo do dia diante das pessoas.
Carolina Herrera foi precursora ao investir na personalização, um pilar crescente no segmento de luxo. A customização do batom é um dos pontos altos da coleção e começa a partir da escolha da textura, passando pela seleção do case estampado e finalizando com a possibilidade de adicionar pingentes de iniciais em dourado. O kit completo pode chegar a R$ 769, no site oficial do Brasil, e é constante sugestão presenteável.
No ano passado, a Chanel lançou o 31 Le Rouge, em homenagem ao local de nascimento das criações da grife, a 31 rue Cambon, em Paris. O item foi desenvolvido com um estojo quadrado de vidro transparente, inspirado nos espelhos em torno da escadaria art déco no apartamento de Gabrielle Chanel. O cilindro feito de alumínio envolve a bala e facilita o processo de refilar e reciclar. A coleção oferece 12 tons que fazem uma referência à história e ao legado da marca. A cor Rouge 2.55, por exemplo, é um vermelho-granada que evoca o forro das bolsas icônicas, enquanto a Rouge Roman é um rosa amarronzado intenso, mesma cor dos livros encadernados em couro na biblioteca do ateliê na capital francesa.
Também em 2023, a Dior lançou o Rouge Premier, com uma paleta de 12 tons exclusivos e fórmula com ouro infusionado, envelopado em estojo cilíndrico de cerâmica finíssima, artesanalmente produzida pela Maison Bernardaud, casa francesa de porcelanas com 160 anos de história. O material foi adornado com estampa de Toile de Jouy, referência ao balcão de acessórios na boutique original de Christian Dior em 1947. Apenas algumas lojas do mundo receberam o conjunto com o case especial, que saía por pouco mais de US$ 500. Em entrevistas, o diretor criativo de maquiagem da marca, Peter Phillips, descreveu como um batom de “alta-costura”.
NOVO CAPÍTULO
Segundo dados da Circana, empresa global de data tech, as marcas de beleza de estilistas estão crescendo a uma taxa mais rápida de 21% ao ano, em comparação com o total do mercado de maquiagem de prestígio até maio de 2023. Ainda de acordo com o BoF, na Selfridges, cadeia de lojas de departamento britânica, as vendas de batons que custam a partir de £ 31 (cerca de R$ 225) aumentaram 35% em 2022 (se comparado com o mesmo período 2019).
“Conforme a geração Z sofre com a fadiga da recessão, preocupando-se mais com viver o presente como forma de escapismo, a ‘cultura do mimo’ surge como o ato de se entregar a prazeres simples como a aquisição de itens ou experiências que tragam alegria e aumentem a serotonina”, explicou o report. Segundo as pesquisas, 58% da geração Z e 52% dos millennials se definiram como compradores emocionais. Isto é, adotaram uma postura hedonista para esquecer o estresse, fazendo com que as indulgências se tornassem fontes de felicidade instantânea. Na palestra de abertura do WGSN Mix’n Match, apresentada por Clare Varga, diretora de beauty da WGSN, que abordou o tema “A indústria da beleza pelo olhar além do estético”, o bureau ainda afirmou que a tal cultura do mimo e a cultura do encantamento (cujas emoções são as principais catalisadoras do público) irão se fundir até 2026, motivando os consumidores a investir em “belezas de luxo” – acessórios que são bonitos, táteis e úteis. “Em tempos difíceis, essas pequenas compras extravagantes se tornam uma forma de se sentir bem e melhorar o humor, proporcionando aquele momento de prazer e recompensa emocional, microalegrias do cotidiano”, completa Juliana.
Mas e no Brasil? “As consumidoras brasileiras estão cada vez mais buscando por produtos de luxo, especialmente maquiagem. A demanda de um público mais jovem e antenado em personalização e inovação tem ajudado a aquecer o segmento no país”, declara Juliana Pádula. De acordo com a Circana, nos primeiros nove meses de 2023, o mercado de beleza premium no Brasil aumentou quase 14%, com destaque para maquiagem (+26%). Em 2024, o país cresceu 18%, enquanto o resto do mundo, apenas 9%. De janeiro e setembro deste ano, o grupo de lábios expandiu em 29%.
Para o futuro, podemos aguardar ainda mais inovações em relação à categoria. “Esperamos fórmulas inteligentes graças à integração de alta tecnologia, que pode permitir que o batom mude de cor ou acabamento com base no estado emocional, nas condições ambientais e nos estímulos externos. Outra ideia é que as consumidoras expressem diferentes aspectos de si mesmas tanto na vida real quanto nos mundos virtuais”, afirma Fernanda Pigatto, diretora global de parcerias do BEAUTYSTREAMS.
RELAÇÃO ANTIGA
Embora presente na rotina das mulheres há séculos, foi em 1870 que surgiu o primeiro batom em bala. Criado por Aimé Guerlain, da marca francesa homônima, sob o nome “Ne m’oubliez pas” (“Não me esqueça”, em português), a fórmula foi desenvolvida com extrato de grapefruit, misturado com sebo de veado, cera de abelha e óleo de rícino em um tubo com embalagem recarregável e mecanismo inovador de botão para empurrar inspirado nos castiçais. Até então, nenhum item labial poderia ser transportado para fora de casa, mas em 1915 foi criado nos Estados Unidos um recipiente em metal mais seguro e prático para o dia a dia. Oito anos depois, uma embalagem que permitia que o batom girasse para fora do tubo foi patenteada no país.
Honrando o legado vanguardista, a Chanel foi a primeira maison de luxo a lançar uma coleção de cores para os lábios, em 1924. Diferente do que era oferecido na época, a fórmula cremosa era altamente pigmentada, mas ainda assim prática para o uso diário. O toque sofisticado ficava a cargo de um tubo em marfim e um mecanismo deslizante de cobre. Em 1954, a designer reimaginou o formato original em um tubo retangular para homenagear o frasco do perfume Chanel Nº5.
Christian Dior, por sua vez, percebeu que havia um mercado a ser conquistado entre aqueles para quem a alta-costura não era uma opção e, em 1953, lançou 9.000 unidades do Rouge Dior, disponíveis em oito tons (anteriormente a marca já havia produzido 350 batons em edição limitada, em 1950, embora não seja claro se foram vendidos ou oferecidos como presente para as consumidoras). Nas palavras de Frédéric Bourdelier, gerente de cultura e patrimônio da marca Parfums Christian Dior, o intuito de investir no métier de beleza à época foi bem objetivo: “Se você não podia se vestir com Christian Dior, ao menos poderia vestir seu sorriso com ele.” A máxima parece mais atual do que nunca.
ETIQUETA PARA OS LÁBIOS
Selecionamos bons exemplos deste movimento na sequência:
Como o batom ganhou status de acessório entre as grifes de luxo — Foto: Divulgação/Arte: Manoela Morel
Como o batom ganhou status de acessório entre as grifes de luxo — Foto: Divulgação/Arte: Manoela Morel
1. 31 Le Rouge, Chanel (R$ 1.370).
2. Prada Monochrome Hyper Matte, Prada Beauty (US$ 50).
3. Rouge G Luxurious Velvet, Guerlain (R$ 229).
4. Batom Acetinado Fabulous Kiss com case e tassel, Carolina Herrera (R$ 469).
5. Rouge Hermès (R$ 420).
6. Rouge Pur Couture The Slim, YSL Beauty (R$ 269).
7. Rouge Dior, Dior (R$ 329)
8. Batom Famous Lipcolor, Rabanne (R$ 199,00)
9. Le Rouge Celine, Celine Beauté (€ 70)
10. Le Rouge Interdit Intense Silk, Givenchy (R$ 240)